.tudo se refaz, menos os nomes

comecei a escrever com a caneta falhando. vai ver até ela quis testar o meu ímpeto. peguei a outra caneta.

escrevi um tempo atrás um poema sobre o meu nome
acho que faz parte do processo.
falei sobre o meu pai
falei sobre alegria
e prisão
falei de gostar da atriz
e de não gostar do meu nome.

morri algumas vezes na minha vida.
a maioria de nós passa por isso,
mas eu realmente acreditei. 
e eu não fazia ideia
do porquê de ainda estar aqui. 

foi o tempo em que lembrei daquela história antiga
da deusa que foi levada ao inferno pelo homem que a desejava
e do inferno, ela se tornou rainha
a única
que poderia andar entre os vivos e entre os mortos

a mulher diabo

não apenas
a mulher do diabo

me fez acreditar que,
apesar da morte,
eu era forte
deusa 
viva

eu,
que estava morta,
também poderia estar viva. 

no meu caminho, escolhi me vestir de branco.
inicialmente, não entendi o porquê.
mas acreditei nos meus sonhos.
(eles eram a única coisa em que eu podia confiar,
já que a memória me pregou tantas peças)

esse outro pai, bàbá,
me falou que minha cabeça
era daquela conhecida
pelo outro, o espelho, o amor

eu não entendi.

eu nunca fui graciosa.
um dos homens violentos uma vez me disse quando criança que eu tinha
"a delicadeza de um elefante".
eu acreditei.

um dia,
minha irmã me presenteou com um batom vermelho.
ela nunca me abandonou
ela não desistiu de mim
quando eu desisti.

me vi no espelho. 

Frida tinha um espelho na sua cama.
foi ela quem me ensinou que eu podia ser uma mulher
sem ser o que era esperado.

esse pai me contou o segredo
que era no espelho que havia a passagem
entre o mundo dos vivos
e o mundo dos mortos.
(mas ela não deixa eles saberem eles não merecem saber eu devia ter percebido isso antes.
mas precisei aprender.)

aprendi nesses tempos
ouvindo, vendo, sobre a quaternidade
um amigo um mestre
falou do que é virgindade
(é importante não negar o masculino)

já sofri muito com as definições cristãs.
como as beguinas
Jung ensinou que virgem
virgem é aquela que escolhe ser livre
(não é sobre buracos)

para tentar encontrar o meu corpo
perdido no inferno
me conectei com a terra
viva
com as estações do ipê amarelo.

a natureza me ensinou
vida-morte-vida
com a morte, vem a vida

om mani padme hum

essa semana a psiquiatra me perguntou porquê não tento me afastar de vez da depressão
ela está sempre ali
juntei os argumentos de sempre
olhar a sombra me manteve viva
habitar a ruína me permitiu estar viva

minha terapeuta me questiona sempre sobre sustentar o bom
mas santo de casa não faz milagre

você não precisa mais
aceitar restos
reivindique o que é seu.

aquela deusa negra
me libertou
ou
me fez
permitir libertar

se já posso
não me reconhecer apenas como diaba
se já posso
não me nomear louca para aqueles que não tem olhos pra ver
a vida
a resistência
a criatividade
da loucura
(mas não entre nesse mar)

quem sou?

le.tí.ci:a.

palavra que não existe em inglês
alegria é da língua daqui mesmo, da raiz
fecundidade da terra
a que escolhe ser livre

tem aquela santa letícia
no meu equilíbrio
a diaba me liberta
de ser mártir
a santa me ensinou
a lutar e ser livre

agradeço aquele que me fez perceber a beleza da sonoridade do meu nome.
agradeço aos que não desistiram da alegria;

prazer,
me chamo
le.tí.ci:a.

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