O Caio.

Constantemente, vemos frases tolas onde na assinatura está o nome de um grande autor, como se fosse dita ou escrita por ele. Um dos grandes autores com quem acontecem essas tragédias constantemente é Caio Fernando Abreu, você certamente já viu o nome dele em uma foto do "face" ou no "tumblr", e o que eu quero dizer é que esse não é O Caio, não o meu. Então vai aqui, a fim de quebrar, de certa forma, preconceitos, um dos textos que eu mais gosto falando sobre O Caio, escrito por Luís Augusto Fischer, que é a introdução da antologia "Além do ponto e outros contos":


A vida pela obra, a obra pela vida


Se o seu negócio, leitor, é passar alguns momentos lendo uns textos inofensivos, que não mudem nada em sua vida e passem sem deixar rastros, pode parar por aqui: feche agora mesmo as páginas desta coletânea de contos e se dirija a outro livro. Procure literatura de autoajuda, mistificação da vida, um desses passatempos. Com Caio Fernando Abreu, o buraco é mais embaixo.

O caso é que os textos de Caio nunca passam batidos pelo leitor. Seja pelo tema ou pela linguagem, seja, mais ainda, pelo astral do conjunto do relato, não tem como o leitor simplesmente passar pelas frases parágrafos textos que ele escreveu, de vez em quando assim mesmo, sem aquela pontuação que ameniza e deixa o leitor no conforto. Não, senhor: aqui se trata de literatura levada a sério, como uma das grandes artes que a humanidade inventou.

Para Caio, a literatura deve ter a mesma força da vida. Pois a vida não tem o poder de derrubar as melhores intenções, traindo esperanças ou fazendo-as brotar onde menos se espera? É, ela é bem assim; e bem assim Caio concebeu seu exercício da escrita - como uma espécie de vida intensificada  vida concentrada em palavras. Escrevia com um amplo domínio do repertório das emoções humanas, que em sua literatura comparecem no palco do texto, expondo suas dificuldades e virtudes bem ali, diante do leitor, que por isso mesmo empresta sua solidariedade ao que vai lendo.

Falamos em palco, e vem ao caso, porque Caio foi um homem de teatro, também. Estudou um tempo na universidade, escreveu para teatro, adaptou textos para a cena, tudo isso mostrando que tinha noções muito fortes de uma das coisas mais importantes da linguagem teatral -  a representação.

E quem diz que representação diz re-presentificação: o teatro, tanto quanto a literatura de Caio Fernando Abreu (toda ela, conto, novela, poesia, crônica), faz acontecer de novo, diante do espectador, um drama, uma comédia, uma tragédia, alguma coisa. Bem ali, na cara do público, e contando com sua participação.

Esta coletânea abrange os vários anos em que Caio atuou, para formar um quadro representativo de sua trajetória como contista, e é dedicada especialmente à platéia que principia a tomar contato com a sua obra e com a mais alta literatura.

Com você, prezado leitor, respeitável público, alguns contos de Caio Fernando Abreu, teatrólogo mesmo quando foi contista. Uma das melhores vozes de um tempo duro, o tempo da ditadura no Brasil e da Guerra Fria no mundo todo. Uma testemunha vibrante da força do rock'n'roll e um homem solidário com as dores que só o bolero pode expressar. Um escritor que não pediu desculpas para ser triste quando podia ter apelado para isso, nem pediu aplausos para expressar solidariedade quando descobriu o melhor da humanidade no meio do lodo. Um grande escritor.

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