.fios, lagartas e porquês.
Era apenas uma criança. Mais uma, aliás, com tantos porquês em mente.
Papai já se preocupava com os fios de cabelo sem pigmento que estavam
por nascer, e, dia vai, dia vem, o seu trabalho mais duro era encontrar -
quando não se via na obrigação de inventar - respostas rápidas para as
minhas perguntas. Não que elas precisassem ser convincentes, até porque
eu tinha uma meia dúzia de anos ainda, mas as minhas dúvidas sobre essa
esfera que insiste em rodar deixavam -no intrigado.
Eu perguntei porque
as borboletas nasciam lagartas, e ele respondeu-me que aquela era a
maior lição de vida para se tomar como exemplo. Sabe, o inseto que nasce
feio e gorducho para depois ganhar cores e asas, transformando-se em
algo novo e admirável. Foi aí que eu perguntei porque elas precisavam
transformar-se. Quer dizer, lagartas podem não ser as mais lindas das
criaturas, porém, para mim, elas não podiam ser vistas como 'o patinho
feio'. O cara ao meu lado apontou para os seus cabelos negros, certo de
que um bocado de fios brancos se encontravam ali. Ele disse que toda e
qualquer coisa do universo evoluía, transformando-se com o tempo. Não
satisfeito, soltei rapidamente mais de meus questionamentos: Então um
dia eu irei ter asas, papai? Assim como as borboletas? O homem
permaneceu quieto, pego de surpresa. E, pela primeira vez, sem uma
resposta rápida. Percebi em seu olhar que algo estava errado, mas antes
que eu voltasse a perguntar, abri os braços e corri em círculos, rindo
alto ao imaginar que voava.
Agora eu sei que papai não quis acabar com o
meu sonho. Eu nunca teria um par de asas, e isso acabei descobrindo por
conta própria. Mas ele nunca soube que eu não precisava disso para voar.
Peter Pan não precisou. Passei muito tempo indo para o infinito sem o
auxílio delas. Porém, assim como ele disse, todas as coisas evoluem. E a
cada noite eu peço, em silêncio, para que ocorra logo a minha
transformação. No fim, somos todos pequenas lagartas.
Pedro Guerra
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