29.

um dia, de porre,
ainda vou te fazer uma declaração de amor
falando coisas como só-penso-em-você
ou ando-louco-de-paixão ou não-importa

mas um dia, de porre ou cara limpa,
fumado ou cheirado até a última carteira
ainda vou te fazer uma declaração de amor
tão completamente descarada
que no dia seguinte a gente se olhe de lado
meio rindo meio brincando e diga baixinho
que loucura, hein cara?
e nunca mais toque no assunto

mas um dia, ah um dia, qualquer dia
vou dar escândalo no bar para que todos ouçam
e você morra de vergonha da minha grande baixeza
vou te pegar de surpresa, dizer tolices meladas
que capricho ou ilusão ousariam publicar
vou pedir mais um copo, acender a última baga,
cheirar a derradeira e berrar frenético

que não têm conta as punhetas que bati por você
que não têm conta as cartas de amor que não mandei
que não têm conta os cigarros e as insônias
e as caminhadas loucas e as flores que joguei no lixo
e essas coisas tontas que a gente faz
quando anda cego de amor ou de tesão,
nunca se sabe

direi nesse dia qualquer, então,
quando te pegar de jeito no meio da praça
no canto do bar na cama do apartamento
na porta de entrada ou saída, que importa?
e de porre ou não, nesse dia, prometo,
ainda vou te fazer uma declaração de amor
tão completa e tão esplêndida
e tão absoluta e tão definitiva
e tão [desesperada e inutilmente/inútil e desesperadamente] autossuficiente
que dispensará resposta.

depois, darei um suspiro de alívio
e nunca mais te olharei na cara.


21 de junho de 1979

 Caio Fernando Abreu
Poesias nunca publicadas.


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