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Amanhã começa agosto.
No sul, as paredes mofam em silêncio.
Faltam cinco meses para o fim da década.
Nada mudará. Ficaremos um pouco mais cansados.
Mas nada, nada mudará.

Há cachorros loucos vagando pelos becos
alguns suicídios talvez, pelos banheiros, e velhos
que não resistirão.
Minha avó dizia sempre
 - não sei se passo desse agosto.
E não passou.

Num susto a mão vira o calendário:
Cecília desapareceu no mundo
Rafael aprendeu a brincar com o coração alheio
Paula faz cara de nojo e viaja para Nova Iorque
Ju não escreveu, nem escreverá.
Tudo já faz tanto tempo. Eu sigo acreditando.

Mas no sul
as bergamotas estão mais doces do que nunca
a umidade invadiu todos os cantos da casa
meus olhos amanhecem inchados de pranto nenhum
e secamente
inventariam marcas, desgostos, rostos perdidos,
corações mofados, roupa cinza na guarda da cadeira.

Amanhã começa agosto
outra vez. E continuamos.


30 de julho de 1979


Caio Fernando Abreu

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