.argila e bordado



Não sei bem se as imagens que crio das pessoas que gosto é porque sou borderline ou se todos criam essas imagens e só lidam melhor com a perda delas do que eu.
A primeira imagem forte que tenho era ele e eu na vila de pescadores ele saía pra pescar e de noite fazíamos fogueira assávamos peixes médios batatas inglesas batatas doces cozinhávamos bananas de cartola e nosso filho estaria cagando as fraldas a música alta tocando até tal hora todos com as bochechas vermelhas você negro as paredes todas coloridas pintadas meio bagunçado cheirando bem eu levando caldos na praia e leríamos muito de um jeito bem pedante nas várias redes de palha da varanda teríamos bichos nossos e veríamos filmes até os olhos irritarem. A única coisa real disso era que teu sinal no canto do olho continuava alí e só não gostava do meu jeito.
A segunda eu não entendia e não quis soltar, era ele e eu deitados por horas por dias num colchão falando besteira fedendo bebendo abraçados de todos os jeitos possíveis eu lhe levando sushi em casa eu lhe comprando tantos livros com dedicatórias escritas com vontade acampando fodendo fazendo coisas estranhas vendo coisas estranhas. A única coisa real disso eram os abraços e só passou a ver futuro com alguém que não era mais eu.
Imagens bem ridículas e burras criadas por mim. Não posso, eu e elas não podemos nos envolver por homens que não sentem os cheiros e não se encantam com eles, tem sempre os que sentem pouco de vários cheiros e os que só pensam que sentem e se perdem no que dizem gosto. As mulheres arrancam o friz, arrancam os pelos, fingem posturas e orgasmos, afagam as dores do mundo por quem não sentiu o cheiro e abusou do gosto da manda rosa em poucos tempos. A mulher só, usada, largada, suja, viva, tá sempre aprendendo a se fortalecer de tempos em tempos e a usar o tempo com algo mais vivo e forte, e que lhe renda algumas listas que vão de comprar argila e cacto à aprender bordado. Ninguém sabe o limite desses ciclos de mágoas, esqueceram de perguntar as mulheres suicidas, que ainda curtem um mel e lembram saudosamente daquela que sentiu o vento do último pulo.

Lorena Lopes

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